Problemas Ortopédicos

As alterações de caráter ortopédico acometem as mais variadas porções do corpo, tais como coluna vertebral, quadris, joelhos e pés, e são causadas pelo desequilíbrio entre a musculatura agonista e antagonista envolvidas. Há de se ressaltar a influência do nível da lesão sobre a manifestação clínica apresentada, uma vez que o mesmo determina a condição de tônus e trofismo da musculatura envolvida e, consequentemente, promove as alterações observadas na sua musculatura antagonista. O tratamento destas enfermidades deve ser baseado em manipulações e reequilíbrio da musculatura envolvida no processo patológico.
No intuito de se prevenir o encurtamento muscular, que posteriormente leva à formação de contraturas e deformidades, o processo de reabilitação pode atuar através de: exercícios passivos; alongamento das cadeias musculares que apresentam o tônus normal ou aumentado, devido à sua tendência à retração; tração manual de estruturas; massoterapia, no sentido das fibras musculares; e mobilizações intra-articulares. Estas técnicas possuem princípios fundamentados na manutenção do arranjo linear do colágeno, ativação da cinética do líquido sinovial e promoção de melhor aporte sanguíneo com consequente aumento da flexibilidade das estruturas musculares. Tem sido notado que os pacientes que recebem exercícios passivos, pelo menos duas vezes ao dia, a menos que sejam ortopedicamente contraindicados, desenvolvem menos contraturas.
Os cuidados no intuito de se evitar a instalação de contraturas e deformidades nestes pacientes não devem estar limitados apenas ao horário correspondente ao atendimento fisioterapêutico. Para este fim, deve-se lançar mão do uso da imobilização controlada por meio de goteiras de gesso ou termoplásticas. O ortostatismo precoce auxilia tanto no ganho e manutenção do comprimento quanto na de força e propriocepção por parte da musculatura.
Quanto ao fortalecimento e aumento de tônus da musculatura débil, a fisioterapia pode atuar através da estimulação elétrica neuromuscular (EENM), a fim de restaurar a força através do recrutamento de unidades motoras, bem como promovendo um estímulo proprioceptivo a esta musculatura. A prevenção ou minimização de contraturas dos membros inferiores e, consequentemente, de padrões cinemáticos assimétricos, leva a uma melhora significativa no processo de deambulação desenvolvido por estes pacientes.
As deformidades articulares são decorrentes do desequilíbrio muscular determinado pelas paralisias totais ou parciais. As cirurgias ortopédicas são recomendadas em algumas situações, mas somente devem ser indicadas se o objetivo for melhora da função, como por exemplo, facilitar a deambulação, a posição sentada ou o ajuste de aparelhos ortopédicos.
O pé torto é observado nas crianças com nível motor lombar médio ou acima. Assim como no pé torto congênito, a cirurgia é precedida por trocas sucessivas de gesso e o objetivo do tratamento é um pé plantígrado (que apoia a planta no chão), no qual uma tala pode ser bem ajustada. Manipulações suaves objetivando o estiramento da pele, tecidos moles e tendões sobre o dorso do pé podem facilitar o procedimento cirúrgico.
As cirurgias ao nível dos joelhos são menos freqüentes. As deformidades em extensão geralmente resolvem com gessos seriados e exercícios passivos. Contraturas importantes (acima de 30 graus) podem impedir o uso de aparelhos longos e conseqüentemente a deambulação.
As crianças com nível lombar alto ou torácico desenvolvem luxação ou contratura de quadrís. A decisão de operar ou não estas crianças é controversa, mas nos casos em que as deformidades estão prejudicando a deambulação ou a posição sentada, o tratamento cirúrgico deve ser considerado.
A escoliose pode ser congênita, devida a malformações vertebrais ou secundária a desequilíbrio muscular nas lesões altas, siringomielia ou medula presa. O diagnóstico causal correto precedendo a cirurgia para escoliose é importante no sentido de se evitar resultados insatisfatórios ou complicações. Havendo indicação para estudo da medula, a ressonância magnética é o exame de escolha. Os coletes não impedem a progressão de curvas paralíticas, mas favorecem a postura na posição sentada, especialmente em crianças com lesões torácicas altas. Os melhores resultados com o tratamento cirúrgico são alcançados com fusão vertebral posterior e anterior simultânea.
Por causa da paralisia, as crianças com mielomeningocele desenvolvem osteopenia (diminuição da trama óssea) com risco de fraturas patológicas. Como não sentem dor, elas andam sobre as fraturas e desenvolvem hematomas. Neste estágio, apresentam febre e o quadro clínico pode ser confundido com osteomielite. Uma radiografia simples da área envolvida pode confirmar o diagnóstico de fratura. 
São descritos dois tipos de deformidade em crianças com mielomeningocele: 1) as cifoses paralíticas devidas a paralisias musculares e 2) cifoses congênitas produzidas por alterações na topografia e na estrutura das vértebras.
Deficiências músculo-esqueléticas: no nascimento dois tipos principais de disfunção motora nas extremidades inferiores são identificadas: o primeiro tipo envolve uma completa perda da função abaixo do nível da lesão, resultando em uma paralisa flácida, perda da sensibilidade e ausência de reflexos;  o segundo tipo é quando a medula espinhal permanece intacta abaixo do nível da lesão e o efeito é uma área de paralisia flácida, logo abaixo da lesão, e possíveis reflexos espinhais hiperativos distais aquela área. Os problemas ortopédicos na mielomeningocele podem ser os resultados de desequilíbrio entre os grupos de músculos; o efeito de estresse, postura e gravidade; e más formações congênitas associadas. A sensação diminuída e as complicações neurológicas também podem levar as anormalidades ortopédicas. A escoliose pode estar presente no nascimento ou pode se tornar evidente conforme a criança fica mais velha, assim como a lordose ou a lordoescoliose.

       Cifose Paralítica: As cifoses paralíticas até os sete ou oito anos de idade são flexíveis ou relativamente flexíveis, porém progressivas. O exame clínico e o radiográfico mostram uma curva longa sem malformações ósseas congênitas, com perda total ou parcial de lordose lombar. Nos casos de grave paralisia da musculatura do tronco surge o colapso vertebral, no qual o paciente não consegue sentar-se sem o apoio manual. Quando há perda total da lordose lombar, a pelve também se apresenta cifótica. Clinicamente, há um colapso vertebral e a criança praticamente se senta sobre seu sacro. Após um período de relativa flexibilidade, a curvatura tende a estruturar- se progressivamente. Trinta e cinco por cento das crianças com nível neurológico T12 desenvolve cifose de raio longo (e não é raro examinarmos crianças com curvas de 90º ou 100º).

Cifose Congênita: As cifoses congênitas estão presentes já ao nascimento, podendo medir cerca de 70º a 90º, chegando a até 160º a 180º por volta dos quatro ou cinco anos de idade. A incidência de deformidade é de 8% a 15% do total dos pacientes com mielomeningocele e praticamente de 100% nos com nível torácico de lesão. Clinicamente, as crianças apresentam uma grande protuberância em ângulo agudo na face posterior do tronco e a cifose em seu prolongamento distal inclui o sacro. O ápice das cifoses situa-se geralmente em L1-L2, é rígido e o defeito produzido pela ausência das lâminas aparece nas últimas vértebras torácicas, prolongando se até o sacro. O que restou das lâminas continua ventralmente com os pedículos.

Testes pré-natais têm permitido o diagnostico precoce da espinha bífida, tais testes permitem que as famílias tomem decisões sobre a gravidez.
A alfa-fetoproteína está normalmente presente no desenvolvimento fetal e é encontrada no líquido amniótico. Está proteína alcança seu nível máximo no soro fetal e, no liquido amniótico entre a 6ª e a 14ª semana de gestação, entretanto continua a vazar para o líquido amniótico pela vascularidade exposta no defeito da espinha bífida. Níveis anormais desta proteína no líquido amniótico sugerem fortes evidências de um defeito no tubo neural e o teste pode ser feito através de uma amostra de sangue da mãe, sendo estes resultados sempre comparados com o da ultra-sonografia.
Quanto ao tipo de parto, a cesariana pode ter efeito protetor sobre o tecido nervoso das costas do bebê, melhorando assim o estado funcional da criança. A cesariana reduz o trauma sobre os nervos expostos da região dorsal do bebê, que poderia ocorrer no parto vaginal. Além disso, a cesariana evita a contaminação bacteriana da lesão aberta, reduzindo o risco de meningite.

AVALIAÇÃO

      Teste Manual Muscular: a primeira parte do teste de avaliação deve-se determinar o nível da lesão e no recém nascido o teste pode ser feito de 24 a 48 horas após o nascimento. Se a criança estiver sonolenta dificilmente reagirá a avaliação, para isso é necessário que a criança esteja acordada ou chorando para trazer a tona respostas adequadas de movimentos. Se a criança puder ser levantada e balançada verticalmente para permitir estimulação do sistema vestibular e mante-lá em estado de alerta. O estímulo tátil acima do nível da lesão promove adição ao nível de estimulação da criança, permitindo assim resultados mais conclusivos. Com a criança desperta podem ser observados movimentos espontâneos e os grupos musculares palpados. Na graduação de forma muscular é importante diferenciar entre movimento espontâneo, voluntário e reflexo. A força muscular é graduada nos grupos de músculos e pode-se utilizar uma designação de 1 a 5 ou simplesmente anotando a presença ou ausência de contração muscular. Para utilização de um formulário para o teste manual muscular que lista o nível segmentar espinhal para cada grupo de músculos, pode-se determinar o nível aproximado da lesão, baseando-se nos resultados dos testes.
     Teste Sensorial: os testes sensoriais completos não são possíveis até que a criança tenha atingido habilidades cognitivas e de linguagem suficientes para responder adequadamente ao teste. Começando pela inervação sacral, a pele é atingida por um objeto pontiagudo até notar-se uma reação à dor. Por causa da inervação dos dermátomos, o alfinete é geralmente desviado da área anal, atravessa as nádegas, desce até a parte posterior da coxa e finalmente, atravessa os músculos abdominais. As reações notadas são caretas ou choro, o que indica que a sensação de dor atingiu um nível cortical.
     Avaliação da Amplitude de Movimento: o terapeuta deve estar ciente da flexão fisiológica normal que é maior nos quadris e joelhos. Na criança com espinha bífida, as contraturas podem estar evidentes logo após o nascimento por causa da musculatura não opositora. A amplitude deve ser feita lentamente e sem força excessiva para evitar fraturas que são comuns nas extremidades inferiores paralíticas.
     Teste de Reflexo: é importante verificar a presença de atividade reflexa normal e verificar a integração dos reflexos primitivos e o estabelecimento de reações mais maduras. Os reflexos primitivos que persistirem após passada sua extensão esperada podem indicar anormalidade. O teste de reflexo para uma criança com espinha bífida pode fornecer uma verificação sobre o progresso do desenvolvimento normal e assim refletir a integridade do sistema nervoso central.
     Avaliações Evolutivas e Funcionais: os objetivos na utilização deste tipo de avaliação são determinar o que uma criança pode ou não fazer, a qualidade da ação e o que está limitando. A progressão deve começar na posição supina, rolar pra prono, prono apoiado nos cotovelos, prono apoiado nas mãos, em 4 apoios, de joelhos, semi-ajoelhado, de pé e caminhado. Tanto a habilidade de atingir e a de manter as posições devem ser avaliadas. Não é somente a realização da tarefa que deve ser avaliada, mas simultaneamente, o modo como ela é realizada. Casos desejam uma avaliação padronizada, a Escala Motora Infantil de Aberta deve ser apropriada.
     Avaliações Perceptivas e Cognitivas: a avaliação adequada depende muito da idade da criança e deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar. Diversos testes disponíveis como ferramentas de triagem para testar a integração e percepção visual-motora.

PARALISIA EM NÍVEL TORÁCICO

A criança sem controle motor baixo do tórax tem as extremidades inferiores flácidas e está sob risco de desenvolver uma deformidade em “pernas de sapo”. Essa postura é comum em bebês imóveis que permanecem em posição supina por longos períodos. As pernas são abduzidas, rodadas externamente e flexionadas no quadril e nos joelhos, sem movimentos para contrabalancear os efeitos da gravidade. Se essa condição for deixada sem correção, aposição de “pernas de sapo” resultará em músculos e em outros tecidos moles progressivamente mais tensos com o tempo.
O posicionamento em prono, os exercícios diários de ADM e o enfaixamento noturno suave em “oito” das pernas com bandagens elásticas, deixando o membro em extensão e adução, podem prevenir essas deformidades. Flexibilidade adicional pode ser obtida usando-se essas estratégias de intervenção em áreas onde já possa existir um aumento mínimo ou moderado da tensão.
Durante as sessões de posicionamento em pé, a criança pode praticar a tornar-se competente nas atividades de equilíbrio mais difíceis. O decúbito lateral com a órtese é indicado para ajudar a evitar e prevenir pontos de pressão sobre a proeminência óssea, como as tuberosidades isquiáticas, o sacro, e o calcâneo.
Se a criança tiver uma limitação da ADM moderada a grave, é inapropriado usar órtese para forçar os membros a um melhor alinhamento. Esse tipo de problema pode ser bem administrado pela liberação cirúrgica de estruturas de tecidos moles com maior tensão, incluindo a banda iliotibial, rotadores externos de quadril e os flexores de joelho. A órtese pode ser usada depois da cirurgia para manter a posição desejada e para a criança alcançar um novo nível de flexibilidade.
Uma órtese longa deve sempre incluir uma parte toracolombar para estabilizar a pelve e a coluna lombar, propiciando um bom alinhamento nas extremidades inferiores. Com a falta de suporte adequado do tronco e da pelve, a criança pode flexionar o tronco lateralmente quando estiver com a órtese, causando um mau alinhamento das extremidades inferiores, com adução de um quadril e abdução do outro em relação a pelve. A deformidade em flexão plantar desenvolve-se frequentemente na criança com paralisia total dos membros.   

TRATAMENTO: CONDIÇÃO ESPECIALIZADA PARA BEBÊS E CRIANÇAS QUE NÃO ANDAM

Nesse estagio a maior ênfase está no preparo físico e mental da criança para que ela caminhe. Os objetivos de evitar contraturas e manter a ADM permanecerão durante toda a vida da criança. Se possível, o posicionamento da criança em prono durante as brincadeiras e ao dormir ajuda grandemente no estiramento da musculatura rígida. Assumindo-se que a criança tenha conseguido um bom controle de cabeça e tronco, o próximo passo seria o desenvolvimento das reações de equilíbrio ao sentar-se. Conforme o equilíbrio melhora, as atividades motoras de habilidades finas e de coordenação dos olhos e das mãos devem ser introduzidas.
O suporte antecipado do pé é de extrema importância, tanto fisiologicamente quanto psicologicamente. A posição ereta tem efeitos benéficos na circulação e no funcionamento renal e intestinal, como também na promoção do crescimento e da densidade óssea. Porém, ao realizar esse procedimento é necessário observar se os membros inferiores estão bem alinhados e que não está sendo exercida nenhuma pressão indevida sobre ele.
A ênfase sobre o fortalecimento da musculatura da cabeça e do tronco são muito importantes para a fase pré-deambulatória. O objetivo maior desse estágio é ficar sentado com as mãos livres e com bom equilíbrio para permitir a independência e a liberdade de atividades lúdicas e lazer. Além disso, ficar sentado com as mão livres é um precursor necessário para deambulação com o aparelho dos membros inferiores e frequentemente determina se uma criança vai utilizar uma estrutura para ficar de pé ou se tornará um deambulante funcional.
Também nessa fase da pré-deambulação, as transições de uma posição para outra devem ser avaliadas e simplificadas. Ensinar às crianças estratégias para transições possibilitará uma ótima dependência funcional.
Quando a criança ficar na posição ereta é indica a utilização de um aparelho que é a órtese. Esse dispositivo oferece suporte para o tronco, quadris e joelhos e deixa as mãos livres para outras atividades. O tempo gasto nessa estrutura deve ser gradativamente aumentado; isso permitirá à criança ajustar-se à posição ereta em termo de força muscular, resistência, pressão sangüínea e pressão nas superfícies da pele.
Depois que as crianças atingirem uma certa tolerância para ficar em pé, elas podem aprender a mover-se no aparelho, transferindo seu peso de um lado para outro. A transferência inicial de peso num lado do corpo é necessária para permitir que o outro lado se mova para frente. Essa transferência preliminar de peso é também um pré requisito para o desenvolvimento das reações de equilíbrio na posição em pé e, portanto, preparará a criança para a deambulação. Conforme a criança transfere o peso, a musculatura do tronco no lado do suporte do peso deve alongar e diminuir no lado que não tem o suporte do peso, de acordo com a força que o músculo permite. Essa reação normal à transferência do peso também inclui o posicionamento da cabeça e deve ser monitorada de perto pelo fisioterapeuta.     

PROGNÓSTICO DEAMBULATÓRIO

O prognóstico deambulatório de acordo com os níveis de lesão neurológica mais citado na literatura, no qual dos pacientes com lesão no nível torácico espera-se a ausência de deambulação; dos pacientes com nível lombar a deambulação comunitária, a domiciliar ou a não-funcional de acordo com outros fatores; de influência (como retardo mental, deformidades ortopédicas, idade, fraturas e espasticidade); e dos pacientes com nível sacral espera-se a deambulação comunitária.
As alterações ortopédicas têm peso similar ao nível de lesão no prognóstico deambulatório na mielomeningocele.
As alterações ortopédicas são um fator que influencia negativamente o prognóstico deambulatório, essas alterações ortopédicas incluem: deformidades da coluna, aumento da torsão tibial externa, deformidade em flexão do joelho e deformidade em flexão do quadril.
Para os níveis de lesão neurológica verifica-se um atraso da deambulação; a idade de cessação da deambulação em pacientes com paralisia alta pode ser muito mais precoce (entre 6-9 anos).

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