INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
Lesões ou doenças do sistema nervoso são causas frequentes
de distúrbios vésico-esfinctéricos, podendo ter um importante impacto na
qualidade de vida dos seus portadores como também determinar o aparecimento de
complicações como infecções do trato urinário (ITU), retenção urinária e
deterioração do trato urinário inferior e superior.
A avaliação de pacientes com distúrbios miccionais
neurogênicos requer um bom entendimento da fisiologia da micção, bem como das
alterações fisiopatológicas que podem ocorrer em virtude de variadas doenças
neurológicas.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Função Vesicoesfinctérica
normal – Neurofisiologia
O trato urinário inferior (TUI) realiza duas funções
básicas: enchimento/reservatório de urina e esvaziamento. Para que essas
funções possam ocorrer adequadamente, é necessário que ocorra relaxamento da
musculatura lisa vesical (detrusor) e aumento coordenado do tônus esfinctérico
uretral durante a fase de enchimento da bexiga, e o oposto durante a micção. A
coordenação das atividades da bexiga e do esfincter uretral envolve uma
complexa interação entre os sistemas nervosos (central e periférico) e fatores regulatórios
locais, e é mediada por vários neurotransmissores.
O funcionamento da bexiga é coordenado em diferentes
níveis do sistema nervoso central, localizados na medula, ponte e centros
superiores, por meio de influências neurológicas excitatórias e inibitórias que
se dirigem aos órgãos do trato urinário inferior e da aferência sensitiva
destes órgãos. Perifericamente, o trato urinário inferior é inervado por três
tipos de fibras: parassimpáticas; simpáticas e somáticas. A inervação vesical
parassimpática origina-se de neurônios localizados na coluna intermédio-lateral
dos segmentos S2 a S4 da medula e é conduzida pelo nervo pélvico até os
gânglios localizados no plexo pélvico. Este se localiza lateralmente ao reto e
origina as fibras parassimpáticas pós-ganglionares, que se dirigem para a
bexiga. A inervação eferente simpática é originada no segmento toracolombar da
medula, de T10 a L2, e direciona-se, através da cadeia simpática, ao plexo
hipogástrico superior (pré-aórtico). A subdivisão caudal deste plexo forma o
nervo hipogástrico, contendo os eferentes pós-ganglionares simpáticos para a
bexiga e a uretra. A inervação da musculatura estriada do esfincter uretral é
predominantemente somática. Origina-se no núcleo de Onuf, localizado no corno
anterior de um ou mais segmentos da medula espinhal sacral (S2-S4). Fibras
somatomotoras originadas deste núcleo inervam o esfincter uretral, por meio dos
nervos pudendos, sem conexão em gânglios periféricos. Há evidências de que o
esfincter uretral também receba influência simpática e parassimpática, a partir
de ramos dos nervos hipogástrico e pélvico. Vias aferentes, partindo de
receptores localizados na bexiga e na uretra, são responsáveis pela transmissão
de informações vindas dos referidos órgãos para o sistema nervoso central
(SNC). Dirigem-se para o plexo pélvico, de onde partem para a medula através
dos nervos pélvico, hipogástrico e pudendo. Na medula, fazem sinapse com
neurônios localizados no corno dorsal.
A atividade dos centros medulares é controlada por centros
superiores, através de tratos descendentes cefalospinais. A micção é coordenada
no tronco encefálico, especificamente na substância pontino-mesencefálica,
denominado centro pontino da micção (CPM), que é a via final comum para os
motoneurônios da bexiga, localizados na medula espinhal. Em circunstâncias
normais, a micção depende de um reflexo espino-bulbo-espinal liberado pelo CPM.
Este recebe influências do córtex cerebral, cerebelo, gânglios da base, tálamo
e hipotálamo (influências suprapontinas), em sua maior parte inibitórios.
Resumidamente, pode-se descrever o ciclo miccional normal
da seguinte forma:
1. Enchimento:
a distensão da bexiga leva à ativação progressiva dos nervos aferentes
vesicais. Esta ativação é acompanhada pela inibição reflexa da bexiga, via
nervo hipogástrico, e estimulação simultânea do esfincter externo via nervo
pudendo. O CPM é continuamente monitorado sobre as condições de enchimento
vesical, mantendo sua influência inibitória sobre o centro medular sacral, que
inerva a bexiga, liberando progressivamente a ativação do esfincter externo.
2. Esvaziamento:
após alcançar um nível crítico de enchimento vesical e sendo a micção desejada
naquele momento, o CPM interrompe a inibição sobre o centro sacral da micção
(parassimpático), que ativa a contração vesical através do nervo pélvico. Ao
mesmo tempo, a influência inibitória sobre a bexiga, feita pelo sistema
simpático através do nervo hipogástrico, é interrompida e ocorre simultânea
inibição da ativação somática do esfincter, relaxando o aparelho esfinctérico e
garantindo a coordenação da micção. Pode-se descrever o ciclo miccional normal
como um simples processo de “liga-desliga”, em que, em um primeiro momento,
ocorre inibição dos reflexos da micção (inibição vesical por meio da
estimulação simpática e inibição da estimulação parassimpática) e ativação dos
reflexos de enchimento vesical (estimulação esfinctérica pudenda). Este
mecanismo é alternado para ativação dos reflexos da micção (estimulação vesical
parassimpática) e inibição dos reflexos de enchimento (inibição da ativação
esfinctérica) e as duas fases vão se alternando seguidamente.
O conhecimento da neuroanatomia e neurofisiologia
envolvida no controle da micção permitem antecipar quais os tipos de distúrbios
miccionais que podem ocorrer secundários a patologias que acometem diferentes
estruturas do sistema nervoso. O fator mais importante, neste sentido, é a
localização das estruturas afetadas pela neuropatia:
Doenças acometendo estruturas do SN localizadas acima do
tronco cerebral, geralmente resultam em contrações detrusoras involuntárias,
com coordenação vésico-esfinctérica mantida. Os sintomas associados são
geralmente de aumento da frequência miccional, urgência, urge-incontinência e
noctúria. Raramente há deterioração do trato urinário inferior ou superior, já
que a coordenação vésico-esfinctérica é preservada e as pressões vesicais são
mantidas em níveis baixos. Entre as patologias neurológicas mais frequentes
neste segmento, destacam-se os acidentes vasculares cerebrais, traumatismos e
tumores cerebrais e a doença de Parkinson.
Nas doenças que acometem a medula espinhal acima do
segmento sacral, o padrão mais frequente é de hiper-reflexia detrusora com
dissinergismo vésico-esfinctérico. A interrupção da inibição do arco reflexo da
micção associa-se à perda da coordenação do relaxamento esfinctérico, já que o
CPM também está desconectado dos centros medulares da micção. As causas
principais de lesões neste nível são os traumatismos raquimedulares, esclerose
múltipla, mielodisplasia toracolombar (mielomeningocele) e doenças
inflamatórias de diferentes etiologias, como a mielite pelo HTLV-1 (paraparesia
espástica tropical), neuroesquistossomose medular e outras mielites de origem
indeterminada. Nestes pacientes, os sintomas mais frequentes são incontinência
urinária e dificuldade miccional. Na maioria dos casos, a sensibilidade vesical
está abolida ou é inespecífica. A maioria dos pacientes apresenta elevação da
pressão detrusora pela hiper-reflexia associada ao dissinergismo. O resíduo
miccional também é elevado. Muitos podem evoluir com perda da complacência
vesical e ITU de repetição. A associação de elevadas pressões vesicais e ITU de
repetição, se não tratada, leva à deterioração progressiva da bexiga e do trato
urinário superior, podendo ultimamente determinar a falência renal.
Nas lesões medulares acometendo segmentos abaixo de S2, a
arreflexia detrusora é o padrão mais frequente, uma vez que o centro
parassimpático da micção é lesado. O mecanismo esfinctérico pode ser afetado de
várias maneiras, mas geralmente mantém um tônus moderado. Os pacientes com
lesões neste nível geralmente apresentam sintomas de dificuldade miccional
associados a perda total ou parcial da sensibilidade vesical. Podem apresentar
incontinência por transbordamento. Por vezes, pode haver lesão predominante do
núcleo de Onuf, responsável pela inervação do rabdoesfincter uretral. Nestas
circunstâncias, pode ocorrer deficiência esfinctérica. As patologias que mais
frequentemente acometem este segmento da medula são os TRM e as
mielodisplasias, como a mielomeningocele lombossacral e as malformações
sacrais.
As lesões que acometem estruturas periféricas podem
ser bastante semelhantes às lesões dos segmentos medulares sacrais inferiores.
Frequentemente, entretanto, o tônus esfinctérico pode ser muito baixo, podendo
ocorrer deficiência esfinctérica severa. São causadas por traumatismos pélvicos
severos e cirurgias pélvicas radicais, como amputação de reto e cirurgia de
Wertheim-Meiggs.
Não é possível prever com exatidão o padrão de disfunção
vésico-esfinctérica de um paciente com base exclusivamente no conhecimento do
nível da lesão neurológica.
A fase da lesão também deve ser considerada na avaliação e
no tratamento de algumas patologias neurológicas. No TRM agudo, há uma fase
inicial de choque medular, com duração de dias a semanas, onde ocorre padrão de
arreflexia detrusora. De forma semelhante, pacientes com AVC podem apresentar
retenção urinária nos primeiros dias da lesão devido a uma fase transitória de
arreflexia detrusora.
Classificação
das Disfunções Miccionais Neurogênicas
Várias classificações foram propostas para descrever os
padrões miccionais causados por lesões neurológicas. Atualmente, a
classificação funcional proposta por Wein e Barret (1988) é a que tem recebido
maior aceitação entre os especialistas e é a mais recomendada. Pode ser
utilizada para pacientes com distúrbios miccionais de qualquer origem, não
necessariamente neurogênicos. Classifica os distúrbios em problemas do
enchimento vesical, do esvaziamento ou combinado (Tabela 1).
Tabela 1: Classificação funcional expandida das disfunções miccionais neurogênicas
Falha de armazenamento
|
Falha de esvaziamento
|
Causa vesical: hiperatividade (contrações involuntárias do detrusor), doença ou lesão neurológica, inflamação, idiopática, obstrução infravesical, déficit de complacência, doença ou lesão neurológica, fibrótica, hipersensibilidade, inflamatória/infecciosa, neurológica, psicológica
|
Causa vesical: neurológica, miogênica, psicogênica, idiopática
|
Causa infravesical: incontinência urinária de esforço genuína, falha de suporte suburetral, relaxamento do assoalho pélvico, hipermobilidade vésico-uretral, deficiência esfinctérica intrínseca, doença ou lesão neurológica, fibrótica, mista
|
Causa infravesical: anatômica, obstrução prostática, estenose do colo vesical, estenose uretral, compressão uretral, funcional, dissinergia do esfincter estriado, dissinergia do esfincter liso, mista
|
ACHADOS CLÍNICOS
Pacientes
com doenças neurológicas podem apresentar-se com graus variados de deficiência
mental e física, de tal forma que a abordagem de cada paciente deve ser
individualizada. Nesta população, a severidade das co-morbidades e o status funcional
são fundamentais para a definição da abrangência da investigação clínica e para
o estabelecimento de metas de tratamento.
A avaliação
clínica detalhada é a principal parte da investigação médica de pacientes
apresentando-se com suspeita de distúrbios miccionais neurogênicos. Ela precisa
caracterizar os sintomas miccionais, assim como o estado geral de saúde do
paciente, sua saúde mental, história prévia de tratamentos urológicos e o
impacto dos sintomas urinários sobre a qualidade de vida. O exame físico é
fundamental para avaliar a presença de globo vesical, características da
próstata, anormalidades genitais e da região sacral, prolapsos vaginais e
déficits neurológicos. A partir desta avaliação, deve ser possível realizar um
diagnóstico presuntivo e o direcionamento dos exames complementares, além da
instituição de medidas terapêuticas iniciais.
A avaliação
urológica deve incluir exames laboratoriais para pesquisa de ITU, hematúria e
função renal, incluindo urina I, cultura e urocultura. Nos pacientes com micção
espontânea, a medida do fluxo e resíduo são fundamentais. Idealmente, um diário
miccional de 2 a 3 dias deve ser obtido para ajudar a caracterizar o
padrão habitual de ingestão de líquidos, frequência miccional e severidade da
incontinência (quando presente).
A avaliação
radiológica deve ser individualizada podendo incluir uma simples
ultra-sonografia de vias urinárias ou requerer uretrocistografia
miccional/retrógrada (UCM/R), urografia intravenosa (UIV), estudos
radioisotópicos ou tomografia computadorizada. Pacientes com bexiga neurogênica
estão mais propensos a desenvolver diversas complicações do trato urinário como
estenose uretral, refluxo vesicoureteral, litíase e deterioração do trato
urinário. Como regra, pacientes com lesões neurológicas graves devem sempre
realizar ultra-sonografia do aparelho urinário e uretrocistografia ao menos na
investigação inicial.
Exames Urodinâmicos
Enquanto a
indicação dos exames urodinâmicos em mulheres com incontinência urinária ou
homens com LUTS é controversa, a maioria dos especialistas concorda com a sua
realização liberal no diagnóstico e acompanhamento de pacientes com sintomas
miccionais associados a doenças neurológicas.
Além disso,
durante o curso da doença, alterações vesicais podem ocorrer, mudando o padrão
miccional. Os exames urodinâmicos permitem identificar o tipo específico de
disfunção miccional em cada paciente, possibilitando a instituição de
tratamento apropriado. Outra importante utilidade dos exames urodinâmicos é a
de identificar pacientes de risco para desenvolver complicações urológicas,
permitindo intervenção precoce nestes pacientes.
Na
urodinâmica, avalia-se a função de reservatório da bexiga e seu
esvaziamento.
Tratamento
O tratamento
dos distúrbios miccionais neurogênicos segue princípios que se aplicam ao
tratamento de outros pacientes com queixas urológicas. Deve-se levar em
consideração a possibilidade de reversão da doença neurológica que, quando
possível, deve ser prioridade. Algumas causas possivelmente reversíveis são a
compressão da cauda equina por hérnia de disco ou tumores e as doenças
infecciosas ou inflamatórias do SNC (neuroesquistossomose, cisticercose).
Os objetivos
do tratamento incluem:
· preservar ou recuperar o TUS;
· minimizar os episódios de ITU;
· permitir enchimento vesical com baixa pressão;
· permitir esvaziamento vesical completo e com baixa pressão;
· manter a continência urinária.
Estes
objetivos devem ser obtidos preferencialmente sem o uso de cateteres, por meio
de medidas bem aceitas pelo paciente e seus familiares. O programa de
tratamento deve ser flexível, levando em consideração a vontade do paciente e
seus familiares e a aplicabilidade de cada medida para cada paciente.
Aspectos
como o prognóstico da doença neurológica, reversibilidade do tratamento, seus
efeitos adversos, frequência e abrangência do seguimento urológico, melhor e
pior evoluções clínicas possíveis em cada alternativa e métodos alternativos
devem ser discutidos.
O tratamento
deve sempre ser iniciado pelas medidas mais simples, reversíveis e com menos
efeitos colaterais que possam atingir os objetivos do tratamento, procedendo
gradualmente para procedimentos de maior complexidade e riscos.
Tratamentos para Melhorar o Enchimento Vesical
Os
distúrbios miccionais neurogênicos frequentemente acompanham-se de
anormalidades na fase de enchimento vesical, principalmente pela presença de
hiperatividade detrusora, mas também podendo haver comprometimento da
complacência vesical e da competência do mecanismo esfinctérico. As modalidades
de tratamento para facilitar o enchimento vesical podem ser aplicadas de forma
isolada ou conjuntamente nos pacientes com distúrbios miccionais neurogênicos.
Tratamento Comportamental
Esta
categoria inclui diversos métodos e ações, que visam resgatar o controle
vesical, aumentando a capacidade efetiva da bexiga. Não existe um protocolo
único ou padronizado que seja seguido por todos os que aplicam os diferentes
métodos de terapia comportamental. A educação do paciente é o elemento central
dos tratamentos comportamentais. Este método tem aplicação limitada em
pacientes com déficits cognitivos ou motores que impeçam sua compreensão ou
execução das medidas.
Entre os
métodos mais usados de tratamento comportamental destacam-se:
· adequação da ingestão de líquidos;
· treinamento vesical;
· fisioterapia pélvica;
· micção de horário, ou comandada para pacientes com deficiências físicas
ou cognitivas;
· evitar potenciais irritantes vesicais (cafeína, refrigerantes, álcool
etc.).
O diário
miccional tem um papel importante no tratamento, mantendo os pacientes
envolvidos diretamente no seu tratamento e permitindo avaliar o volume urinado
e identificar os que precisam restringir a ingestão de líquidos.
O uso de
terapias enfocando o assoalho pélvico é também parte importante do protocolo de
tratamento comportamental proposto por diferentes autores. A contração da
musculatura do assoalho pélvico (exercícios de Kegel) é usada pelos pacientes
para inibir uma contração vesical inicial ou iminente. O mecanismo de
funcionamento baseia-se na inibição fisiológica do arco reflexo miccional
promovida pela contração do esfincter estriado da uretra. Muitas vezes, os pacientes
são incapazes de isolar e contrair eficientemente a musculatura pélvica. Nestas
circunstâncias, o biofeedback e a estimulação elétrica podem ser muito úteis
como medidas auxiliares, capacitando os pacientes a localizar e utilizar a
musculatura do assoalho pélvico de maneira eficiente.
Os
resultados do tratamento comportamental são bastante satisfatórios em pacientes
sem déficits motores e sensitivos severos. São, de maneira geral, simples,
baratos, eficientes e isentos de efeitos colaterais.
Tratamento Farmacológico
A maioria
das drogas neste grupo destina-se ao tratamento da hiperatividade detrusora.
Vale ressaltar que muitos pacientes com diagnóstico de déficit de complacência
podem apresentar um componente de hiperatividade detrusora associado (contrações
tônicas) e, por esta razão, podem se beneficiar do tratamento farmacológico.
Embora
diversos neurotransmissores possam ser alvos do tratamento farmacológico dos
distúrbios da micção, sabe-se que a contração das fibras musculares lisas da
bexiga é mediada predominantemente pela estimulação colinérgica de receptores
muscarínicos pós-ganglionares. Cinco subtipos de receptores muscarínicos foram
identificados, sendo denominados M1 a M5. Na bexiga humana e de vários outros
mamíferos, predominam os subtipos M2 e M3, sendo que os receptores M3 são os
principais responsáveis pela contração vesical. Portanto, drogas que possam
bloquear estes receptores são mais eficientes em reduzir a hiperatividade
detrusora.
Uma vez que
a estimulação colinérgica muscarínica é o principal mecanismo de contração
vesical em humanos, drogas antimuscarínicas são a principal alternativa
farmacológica para o tratamento da hiperatividade detrusora. De acordo com a
Agência Americana de Política de Saúde e Pesquisa (AHCPR) e o Consenso
Brasileiro de Incontinência Urinária, os anticolinérgicos são os agentes
farmacológicos de primeira escolha para o tratamento desta condição clínica.
Entretanto, como os receptores muscarínicos M2 e M3 estão presentes no
organismo em diversos outros órgãos além da bexiga (como as glândulas
salivares, trato intestinal, coração e olhos), drogas que atuam nestes
receptores podem afetar a função destes órgãos, explicando dois dos mais
frequentes efeitos colaterais resultantes do uso de drogas antimuscarínicas:
boca seca e constipação.
A
oxibutinina é o agente antimuscarínico mais usado no tratamento da
hiperatividade detrusora e tem sua eficácia clínica bem documentada. É um
potente antagonista de receptores muscarínicos, com discreta seletividade para
receptores M3 e M1 em relação aos outros subtipos. Aparentemente, possui também
uma ação espasmolítica direta sobre o detrusor, provavelmente mediada por
antagonismo ao Ca2+ e uma ação anestésica local. Acompanham-se
frequentemente de efeitos antimuscarínicos adversos, particularmente boca seca,
e também constipação, visão turva e sonolência, levando à interrupção do
tratamento ou diminuição da dose para um nível de menor eficácia terapêutica.
Com o intuito de aumentar a tolerabilidade da oxibutinina, diversas novas
táticas têm sido propostas, como a administração intravesical ou intra-retal da
droga, pílulas de liberação prolongada e uso concomitante de estimuladores da
salivação.
A
tolterodina é um potente antagonista competitivo de receptores muscarínicos na
musculatura lisa detrusora. Embora não possua especificidade para nenhum dos
cinco subtipos de receptores muscarínicos, estudos demonstraram seletividade
para a bexiga em relação às glândulas salivares, o que pode diminuir a
incidência de efeitos colaterais. Sua eficácia clínica e tolerabilidade foram
avaliadas em diversos estudos controlados, que demonstraram eficácia semelhante
à da oxibutinina, com menor incidência de efeitos colaterais.
Outras
drogas anticolinérgicas ou com mecanismos de ação mistos, como darifenacina,
brometo de propantelina, brometo de emeprônio, cloreto de trospium,
diciclomina, propiverina e flavoxato, foram e/ou continuam sendo utilizadas com
sucesso variável no tratamento da HD. Devido aos seus efeitos colaterais e
menor eficácia, ou por não terem sido estudados suficientemente, são pouco
utilizados na prática clínica. Alguns não estão disponíveis no Brasil.
Outras Opções no Tratamento Farmacológico da
Hiperatividade Detrusora
Os
conhecidos efeitos colaterais das drogas antimuscarínicas têm promovido interesse
em alternativas farmacológicas para o tratamento da hiperatividade detrusora.
Diversas áreas do SNC estão envolvidas no controle da micção, incluindo
estruturas supramedulares (córtex, diencéfalo, ponte) e medulares.
Neurotransmissores como glutamato, serotonina, noradrenalina, dopamina e o
ácido gama-aminobutírico (GABA) atuam no SNC e possuem ação inibitória ou
excitatória no controle da micção, podendo ser alvos de tratamento
farmacológico. Entretanto, eles estão envolvidos em muitas outras funções do
SNC, e drogas que atuem nos seus receptores podem afetar outros sistemas.
Embora representem uma importante área de pesquisa farmacológica para os
distúrbios da micção, ainda não foram desenvolvidas drogas com atuação no SNC
que apresentem eficácia e segurança clínica no tratamento da hiperatividade
vesical.
Sabe-se que
os receptores alfa-adrenérgicos localizados no detrusor estão envolvidos no
relaxamento da musculatura lisa vesical. A possibilidade de usar agonistas
beta-3-adrenérgicos no tratamento da HD é muito promissora, mas sua eficácia e
segurança ainda precisam ser demonstradas em estudos clínicos controlados.
Drogas que
agem no canais de K+, como a cromacalina e o pinacidil, demonstraram
efeito inibitório sobre as contrações detrusoras em animais, mas os estudos
clínicos não foram animadores, pois estas drogas possuem efeito mais potente
sobre a musculatura lisa dos vasos sanguíneos e os níveis requeridos para
inibição da bexiga causam elevada frequência de efeitos colaterais. Novas
drogas estão em investigação e parecem apresentar maior especificidade para a
musculatura lisa da bexiga.
Os
antidepressivos tricíclicos são muito utilizados no tratamento da HD. O
mecanismo de ação destas drogas é complexo e parece incluir efeitos sedativos e
anticolinérgicos sobre o SNC, atividade anticolinérgica periférica e bloqueio
da recaptação de neurotransmissores, como a serotonina e a noradrenalina. A
imipramina é a principal droga dentro desta categoria no tratamento da HD.
Embora tenha efeitos anticolinérgicos sistêmicos pronunciados, sua ação
antimuscarínica direta sobre o detrusor é pequena. Exerce, entretanto, um
efeito inibitório direto sobre o detrusor cujo mecanismo não é conhecido.
Clinicamente, alguns estudos demonstraram bons resultados com a imipramina no
tratamento da HD.
Bloqueio da Aferência Vesical
Uma opção no
tratamento da HD é o uso intravesical de drogas bloqueadoras da aferência da
bexiga. As duas principais drogas neste grupo são a capsaicina e a
resiniferatoxina.
A capsaicina
é uma neurotoxina extraída de pimentas vermelhas que exerce um efeito bifásico
nos nervos sensitivos, inicialmente causando sua excitação e, em seguida,
determinando um período prolongado de bloqueio com resistência à ativação por
estímulos habituais. As fibras C e possivelmente também as fibras Ad são
bloqueadas com o uso intravesical da capsaicina. Diversos estudos clínicos
foram conduzidos em pacientes com HD causada por lesão medular e demonstraram
melhora clínica e urodinâmica com o uso da capsaicina. Observou-se, entretanto,
uma incidência importante de efeitos colaterais, como dor suprapúbica, urgência
miccional, hematúria e disreflexia autonômica.
A
resiniferatoxina é um análogo da capsaicina muito mais potente que esta na
dessensibilização da aferência vesical, mas com menor potencial de produzir
inflamação da bexiga. Assim, apresenta eficácia semelhante, mas com efeitos
colaterais menos intensos. A duração dos efeitos destas drogas varia de 2
a 7 meses, requerendo nova aplicação após este período.
Toxina Botulínica no Tratamento da Hiperatividade
Detrusora
Uma
alternativa nova e bastante promissora no tratamento da hiperatividade
detrusora é a injeção de toxina botulínica, por via endoscópica, na musculatura
lisa vesical (detrusor). A toxina botulínica é a neurotoxina mais potente
conhecida e tem sido utilizada clinicamente desde a década de 1970. Ela
bloqueia seletivamente a liberação da acetilcolina pelas terminações
nervosas por meio da inibição do transporte das vesículas pré-sinápticas,
causando desnervação funcional que pode durar até 6 a 9 meses.
O
conhecimento do exato mecanismo de ação da toxina botulínica e o espectro de
doenças capazes de serem tratadas com esta droga têm aumentado
progressivamente. Vários estudos demonstraram sua eficácia no tratamento
de variadas condições clínicas como cefaléias tensionais, síndromes
dolorosas miofasciais, distonia, espasticidade, acalasia de esôfago e
hiperidrose. Na urologia, a toxina botulínica tem sido usada com sucesso no
tratamento da dissinergia vésico-esfinctérica. Estudos preliminares indicam que
a injeção da toxina botulínica na musculatura lisa vesical bloqueia a
transmissão nervosa parassimpática na bexiga e determina importante melhora
clínica em pacientes com hiperatividade detrusora.
Resultados
do tratamento da hiperatividade detrusora com injeção endoscópica de toxina
botulínica mostram que a capacidade vesical aumenta significativamente e a
pressão detrusora máxima é reduzida, com mínimos efeitos colaterais e com
efeitos sobre a bexiga mantendo-se por6 a 9 meses.
Tratamentos Invasivos
O uso de
técnicas invasivas de neuromodulação e/ou de procedimentos cirúrgicos no
tratamento da HD, como ampliação ou desnervação vesical, é geralmente reservado
para pacientes com hiperatividade detrusora severa, notadamente aqueles com
patologias medulares como traumatismo raquimedular e mielomeningocele. Entre os
indivíduos sem doença neurológica, só devem ser considerados naqueles com sintomas
muito severos e que tenham sido submetidos a múltiplos tratamentos
conservadores sem sucesso.
As técnicas
de neuromodulação podem ser utilizadas tanto para o tratamento da HD como para
promover o esvaziamento vesical. O tratamento da HD baseia-se na estimulação
das raízes aferentes de S2-S4 pela implantação de um eletrodo que é conectado a
um gerador de pulsos. Este transmite continuamente impulsos de baixa
intensidade para as raízes referidas, resultando em aumento reflexo da
estimulação simpática sobre a bexiga e inibição da atividade parassimpática
sobre ela, inibindo o reflexo da micção. Antes da implantação definitiva do
eletrodo e do gerador de pulsos, o paciente é submetido a um teste com
eletrodos percutâneos e a resposta clínica é avaliada. Diversos estudos
demonstraram bons resultados com a neuromodulação em pacientes com HD
refratária ao tratamento farmacológico. Os altos custos do tratamento, sua
invasividade e potenciais complicações como dor, migração do eletrodo,
infecções e mau funcionamento do aparelho contribuem para que esta modalidade
permaneça como alternativa para casos selecionados de pacientes com HD.
As técnicas
de desnervação são alternativas para o tratamento da HD refratária. Podem ser
feitas em diferentes níveis (nervos sacrais, nervos pélvicos ou na própria
bexiga) e por meio de métodos variados como injeção de substâncias
neurotóxicas, interrupção cirúrgica das estruturas nervosas ou lesão das mesmas
por fontes de energia como a radiofrequência. Entre as muitas técnicas de
desnervação propostas, a rizotomia sacral posterior é a mais eficiente no
tratamento da HD refratária, mas só é utilizada em pacientes com lesões
medulares completas. Visa interromper completamente a aferência vesical,
abolindo o arco reflexo da micção e tornando a bexiga arreflexa. Vários autores
relataram bons resultados com esta técnica de desnervação vesical no tratamento
da HD.
As cirurgias
de ampliação vesical têm sido utilizadas em pacientes com HD severa e com
comprometimento da capacidade e complacência vesicais. A maior parte dos
candidatos a estas cirurgias é portadora de patologias medulares como
traumatismo raquimedular e mielomeningocele. A maioria das cirurgias de
ampliação é feita com uso de segmentos intestinais, notadamente o íleo e o
cólon. Ambos apresentam bons resultados, mas uma taxa significativa de
complicações a curto e longo prazo, limitando sua indicação aos pacientes que
não obtiveram melhora com métodos menos invasivos. Por causa dos riscos de
complicações, métodos alternativos de ampliação como a auto-ampliação, o uso do
ureter ou de segmentos intestinais desepitelisados e técnicas de engenharia de
tecidos vêm sendo utilizados ou estão em desenvolvimento.
Apesar destes avanços significativos, cada um destes métodos possui
limitações, e a ampliação com segmentos intestinais permanece sendo a
alternativa mais eficiente para a ampliação vesical.
Tratamentos para Aumentar a Resistência Uretral
O
comprometimento do mecanismo esfinctérico do trato urinário inferior pode
decorrer de distúrbios em um ou mais dos seus componentes:
· inervação do esfincter e assoalho pélvico;
· propriedades estruturais do músculo liso e/ou estriado esfinctéricos;
· elementos intrínsecos da uretra;
· estruturas do assoalho pélvico.
Tais
alterações podem ocorrer em decorrência de processos degenerativos,
traumatismos externos ou iatrogênicos, bem como de patologias neurológicas ou
musculares.
As
alternativas medicamentosas para aumento da resistência uretral são poucas e de
eficiência bastante limitada. Os agonistas alfa-adrenérgicos são o principal
representante. Sua ação concentra-se principalmente sobre as fibras musculares
lisas do colo vesical que possuem alta concentração de receptores
alfa-adrenérgicos. Quando estimulados, tais receptores promovem a contração
destas fibras musculares e determinam um aumento da resistência uretral.
Existem vários agentes neste grupo, porém, como não se trata de drogas com ação
específica sobre o trato urinário, a sua administração frequentemente
associa-se a efeitos colaterais como aumento da pressão arterial, ansiedade,
insônia, cefaléia, fraqueza, taquicardia e outras arritmias cardíacas, devendo
ser evitadas em pacientes com patologias cardiocirculatórias e em idosos.
A efedrina e a fenilpropanolamina (norefedrina) são as principais drogas nesta
categoria.
Entre os
pacientes com distúrbios neurogênicos, os tratamentos farmacológicos para
aumento da resistência uretral são raramente utilizados. As condições
neurológicas que costumam reduzir a ação do mecanismo esfinctérico uretral são
principalmente as doenças que afetam os segmentos sacrais (S2-4, onde se localiza
o núcleo de Onuf) ou os nervos periféricos para o esfincter uretral (pudendo),
como os disrafismos da coluna (mielomeningocele), os TRM baixos e as lesões
periféricas causadas por cirurgias pélvicas radicais. Tipicamente, os
tratamentos mais aplicados e que se acompanham de melhores resultados nestes
pacientes são a implantação do esfincter artificial, a injeção de substâncias
como colágeno ou silicone no colo vesical e as cirurgias de Sling para
pacientes do sexo feminino (nestes casos, faz-se Sling obstrutivo, com o
objetivo de tornar a paciente retencionista). Em todos estes casos, existe uma
grande chance de que o paciente passe a necessitar de cateterismo intermitente.
Tratamentos para Melhorar o Esvaziamento Vesical
A melhora do
esvaziamento vesical de pacientes com distúrbios neurogênicos é frequentemente
um dos maiores desafios para o urologista. Há poucas alternativas
farmacológicas que geralmente mostram-se pouco eficientes. Neste sentido,
um avanço importante foi a introdução do cateterismo intermitente. É
utilizado atualmente como forma de esvaziamento vesical em diversas condições
urológicas, não somente de causa neurológica. Esta técnica contribuiu muito
para diminuir a morbidade associada ao uso crônico de cateteres uretrais, além
de melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Falência da Contração Vesical
A
incapacidade de gerar uma contração detrusora eficiente tem óbvias implicações
sobre a fisiologia da micção. Um dos principais aspectos necessários para o
esvaziamento vesical adequado é a capacidade vesical de gerar uma contração
eficiente. Quando esta não ocorre, a micção é ineficiente e ocorrem sintomas
como jato fraco e intermitente, necessidade de uso de prensa abdominal e
sensação de esvaziamento vesical incompleto. Outros sintomas, como aumento da
frequência urinária e incontinência urinária por transbordamento, podem ocorrer
em virtude da incapacidade da bexiga esvaziar-se. O quadro clínico dos
pacientes com contratilidade vesical diminuída pode acompanhar-se de infecções
urinárias de repetição, litíase vesical e outras complicações progressivas como
fibrose vesical, refluxo vesicoureteral e comprometimento do trato urinário
superior.
Alternativas Terapêuticas para Tratar Problemas da
Contração Vesical
1. Compressão externa e/ou manobra de Valsalva
As manobras
de Credé (compressão manual externa) e Valsalva (uso de prensa abdominal) podem
ser eficientes em pacientes capazes de gerar uma pressão abdominal
significativamente elevada (acima de 50 cmH2O) e que possuam
resistência uretral diminuída. É um mecanismo não-fisiológico de micção que sofre
a resistência das mesmas forças que fisiologicamente impedem as perdas
urinárias aos esforços. O afunilamento fisiológico do colo vesical durante a
micção não ocorre com as manobras de esforço e pode haver aumento na
resistência uretral na vigência de manobras de elevação da pressão abdominal.
Assim, os pacientes que têm mais chances de se beneficiar desta forma de
tratamento são os que possuem algum grau de incontinência urinária e
comprometimento esfinctérico associado à falência da contração vesical.
2. Tratamento farmacológico
Pouca ou
nenhuma melhora clínica pode ser obtida com os tratamentos farmacológicos
disponíveis atualmente. Drogas que imitam a ação da acetilcolina poderiam ser
eficientes no tratamento de pacientes com diminuição da contratilidade vesical,
uma vez que o maior estímulo farmacológico para a contração detrusora é
promovido pela ativação de receptores colinérgicos muscarínicos da membrana
celular. A acetilcolina não pode ser usada clinicamente devido às suas ações no
sistema nervoso central e nos gânglios do sistema nervoso periférico e também
porque é rapidamente hidrolisada no organismo. Existem inúmeras drogas
parassimpatomiméticas, mas apenas o cloreto de betanecol apresenta um perfil
farmacológico de relativa seletividade para o trato urinário, com mínima ação
sobre receptores nicotínicos e pouco suscetíveis à colinesterase. Sua ação
estimuladora da contratilidade vesical já foi demonstrada in vitro em
vários estudos. Embora seja usada clinicamente para melhorar a contratilidade
vesical, não há evidências clínicas suficientes para recomendar seu uso. Além
disso, efeitos colaterais possíveis incluem náuseas, vômitos, diarréia,
cefaléia, aumento da salivação e sudorese.
3. Cateterismo vesical intermitente
O tratamento
atual de escolha para a maioria dos pacientes com falência da contração vesical
de qualquer etiologia é o cateterismo vesical intermitente. Apesar dos
grandes benefícios que confere aos pacientes, o cateterismo intermitente
acompanha-se de vários inconvenientes e riscos, como:
· possibilidade de infecção urinária;
· possibilidade de lesão uretral, vesical ou litíase;
· necessidade de que o paciente tenha sempre cateter uretral e outros
materiais necessários ao cateterismo;
· maior gasto de tempo para realizar as micções (que são bem mais
demoradas através do CIL);
· piora da auto-estima e imagem corpórea ou outros distúrbios psicológicos
relacionados com a necessidade de utilizar o cateter uretral;
· dor ou desconforto para a passagem do cateter nos pacientes sem
alteração da sensibilidade uretral;
· necessidade de ajuda para realizar o cateterismo nos pacientes com
limitações motoras e/ou cognitivas. Desta forma, embora a maioria dos pacientes
aprenda facilmente a realizar o CIL, sua aceitação não é boa entre todos os
pacientes, que manifestam constantes interesse em alternativas terapêuticas que
possam oferecer a possibilidade de recuperar o esvaziamento vesical espontâneo.
4. Drogas que reduzem a resistência uretral
Diferentemente
de outras áreas da bexiga, o colo vesical e a musculatura lisa prostática
possuem rica inervação alfa-adrenérgica que promove contração de suas fibras.
Desta forma, a utilização de alfabloqueadores pode promover relaxamento da
musculatura lisa a este nível, reduzindo a resistência ao fluxo urinário. Isto
pode ser útil no tratamento de pacientes portadores de dificuldade de
esvaziamento tanto por uma hiperatividade do colo vesical (como a que ocorre em
certos tipos de lesão medular – dissinergia de esfincter interno) como em
portadores de hiperplasia prostática benigna. Contudo, estas drogas são muito
pouco úteis em portadores de distúrbios neurogênicos, notadamente naqueles com
dissinergismo vésico-esfinctérico.
Alternativas Terapêuticas para Tratar Problemas do
Dissinergismo
Tratamentos Cirúrgicos
Os
tratamentos nesta categoria visam principalmente tratar a hipertonia do
esfincter externo, responsável pelas altas pressões vesicais e seus efeitos
deletérios sobre a bexiga e o TUS. Incluem-se nesta categoria a
esfincterotomia, o uso de stents uretrais para bypass do esfincter
externo, a dilatação do esfincter com balão uretral e as cirurgias de
desnervação do esfincter, com interrupção do nervo pudendo. Todas elas visam
reduzir ao máximo a resistência uretral, tornando o paciente incontinente e requerendo
o uso de um coletor externo. Desta maneira, não são utilizadas em pacientes do
sexo feminino. Nestas e nos pacientes do sexo masculino cuja uretra não é uma
boa alternativa de cateterismo (por estenose severa, fístula etc.), as
derivações continentes podem ser uma excelente alternativa, realizando-se o
cateterismo intermitente pelo estoma.
Um novo
tratamento que está em fase de testes é o uso da toxina botulínica no esfíncter
externo. Sua ação causa uma paralisia da musculatura estriada e uma diminuição
da hipertonia esfinctérica, possibilitando ao paciente que urine
espontaneamente. Um outro uso para a toxina botulínica no esfíncter é para
pacientes que apresentam arreflexia detrusora e que fazem uso de cateterismo
intermitente limpo. Após a aplicação da toxina no esfincter, o paciente passa a
urinar alguns dias após com manobras de Credé ou Valsalva, sendo possível a
retirada do cateterismo intermitente limpo. Esse procedimento pode deixar o
paciente incontinente após a aplicação, mas estudos mostraram que casos de
incontinência são muito raros, que essa é uma técnica promissora e que, no
futuro próximo, fará parte dos recursos para tratar esse tipo de problema.
A seguir expomos o esquema da colocação do esfíncter artificial AMS 800:
A colocação de Esfíncter Urinário Artificial é direito do paciente.
Cirurgia para incontinência urinária
Cuidados
após a cirurgia da incontinência urinária
Esfincter
Artificial para homens com incontinência urinária
Para homens com incontinência urinária severa, ou seja, com perdas
urinárias contínuas e ou em grande volume a melhor forma de tratamento para
melhorar estas perdas podendo deixa-lo inclusive totalmente seco é a colocação
de uma torneirinha artificial em sua uretra denominada esfíncter artificial.
Desta forma ele poderá abrir esta suposta torneirinha na hora de urinar e
fecha-la ao terminar, evitando ou diminuindo sensivelmente suas perdas. A principal causa de incontinência urinária masculina que pode levar à
necessidade de colocação do esfíncter artificial é a Prostatectomia Radical, ou
seja, a cirurgia para tratamento do câncer da próstata. No entanto, cirurgias
para tratamento de doenças benignas da próstata, traumatismos pélvicos e da
uretra, cirurgias locais extensas e algumas doenças neurológicas também podem
levar a uma incontinência severa e, portanto a necessidade de se implantar um
esfíncter artificial.
A seguir expomos o esquema da colocação do esfíncter artificial AMS 800:
-
Cuff - O cuff envolve a uretra.
-
Balão - O balão é implantado ao lado da bexiga.
-
Tubos e conexões - Os tubos e conexões que conectam as três partes do
esfíncter permitem a movimentação do fluxo entre as partes.
Bomba: A
bomba é colocada no escroto e pode ser sentida através da pele. Sua parte
inferior é mole e compressível e a parte superior, contendo o botão de
desativação é rígida.
-
Botão de desativação - Pequeno botão palpável na parte superior (rígida)
da bomba.
Como funciona o
esfíncter artificial
O cuff, que contém líquido comprime a
uretra levemente, de forma a mantê-la fechada e impedir o vazamento de urina.
Para urinar, o cuff é esvaziado através da compressão da bomba por 2 a 3 vezes,
o que promove a movimentação do líquido do cuff em direção ao balão. Vazio, o
cuff descomprime a uretra abrindo-a e permitindo a passagem da urina e você
pode urinar tranquilamente. Após alguns minutos, o líquido automaticamente
retorna do balão fechando o cuff e a uretra novamente.
1- Quando o cuff está cheio ele fecha a
uretra e a urina permanece na bexiga;
2- Após apertar a bomba o cuff se esvazia e se abre, abrindo a uretra e assim a
bexiga pode se esvaziar;
3- Após alguns minutos o líquido automaticamente retorna para o cuff que volta
a ocluir a uretra.
Uso do esfíncter
artificial para urinar
- Palpe a bomba no seu escroto.
- Com uma mão segure suavemente o tubo acima da bomba para mantê-la fixa no
escroto.
- Com a outra mão aperte e solte a parte inferior da bomba (mole) por 2 a 3
vezes até que ela fique murcha. Em seguida o cuff se abrirá e aí você poderá
urinar.
- Aperte e solte a parte mole inferior
da bomba algumas vezes para abrir o cuff e urinar.
- Para voltar a reter a urina na bexiga você não precisa fazer nada, pois o
líquido retornará automaticamente do balão para o cuff em alguns minutos
voltando a manter a uretra fechada. Após ativar o esfíncter algumas vezes, você
aprenderá o tempo que o cuff demora para se reencher e fechar novamente a
uretra.
O
cuff reenche automaticamente.
Botão de
desativação do esfíncter artificial:
O esfíncter artificial possui um botão
de desativação que permite que o médico desative seu aparelho. Quando este está
desativado o cuff fica vazio e você fica incontinente. Seu médico geralmente
deixa o esfíncter desativado nas primeiras 6 a 8 semanas após a cirurgia para
permitir uma boa cicatrização. Seu médico poderá discutir com você a
possibilidade de desativar o esfíncter em circunstâncias específicas.
O
que ocorre se você ativar o botão de desativação acidentalmente?
Se você apertar o botão de desativação
localizado na parte superior rígida da bomba seu aparelho fica desativado e
você poderá ficar incontinente ou obstruído pelo cuff, dependendo se o cuff
desativou-se vazio ou cheio. Na eventualidade de ocorrer alguma destas coisas,
você perceberá que a bomba está diferente, e poderá facilmente resolver o
problema.
Como
reativar o esfíncter?
Se a parte inferior
macia da bomba estiver mais dura que o habitual:
Com uma mão segure suavemente o tubo acima da bomba para mantê-la fixa no
escroto.
Com a outra mão aperte forte e rapidamente a parte inferior da bomba (mole) e
depois mais 2 a 3 vezes como você normalmente faz.
Informe rapidamente o seu urologista se sua tentativa de reativação falhar.
O
que fazer se a parte mole inferior da bomba não se reenche automaticamente como
é normal?
Com uma mão segure suavemente o tubo acima da bomba para mantê-la fixa no
escroto.
Com a outra mão aperte as laterais da parte rígida superior da bomba. Faça uma
pressão forte e duradoura. Quando a parte mole inferior da bomba se encher
completamente de novo, aperte-a forte e rapidamente.
Caso não tenha sucesso na primeira vez, repita novamente todo o procedimento.
Contate seu urologista se
sua tentativa de reativação falhar.
A colocação de Esfíncter Urinário Artificial é direito do paciente.
Pacientes com incontinência urinária
provocada pela remoção da próstata têm direito ao procedimento que melhor lhe
assegure a saúde, sob pena de violação de seu direito à dignidade humana
O
câncer de próstata é o sexto tipo de câncer mais comum no mundo e o mais
prevalente em homens, representando cerca de 10% do total das neoplasias. As
taxas de incidência são cerca de seis vezes maiores nos países desenvolvidos,
se comparados aos países em desenvolvimento. É considerado o câncer da terceira
idade, uma vez que cerca de três quartos dos casos no mundo ocorrem a partir
dos 65 anos.
Detectado
cada vez mais cedo, os índices de cura dessa doença estão cada vez maiores.
Entre as formas de tratamento, a remoção cirúrgica da próstata, ou
prostatectomia, é a mais comum, tanto para os pacientes em estágio precoce da
doença, quanto para aqueles que falharam em responder à radioterapia.
No
entanto, apesar dos excelentes resultados quanto ao tratamento do câncer, a
prostatectomia pode trazer complicações ao paciente, tais como impotência e
incontinência urinária. Em muitos casos, o paciente é curado do câncer, mas se
vê obrigado a inconvenientes como, por exemplo, o uso diário de fraldas.
A
boa notícia é que a incontinência urinária é tratável e geralmente curável na
grande maioria das vezes. Atualmente, em casos de remoção radical da próstata,
a colocação do esfíncter urinário artificial é considerado o tratamento mais
eficiente para esse tipo de sequela.
O
problema é que os Planos de Saúde quase sempre negam a autorização para
implante do esfíncter, trazendo para os pacientes uma série de transtornos. As
alegações mais comuns para a falta de cobertura são: a) falta de previsão
contratual para custeio de despesas relativas a implantes e próteses de
qualquer natureza e b) ausência de previsão no rol dos procedimentos
obrigatórios da Agência Nacional de Saúde – ANS. Em verdade, a negativa se dá
em razão do alto custo do procedimento.
A
postura adotada pelos Planos de Saúde é ilegal, abusiva e afronta o Código de Defesa
do Consumidor.
Com
efeito, se a colocação do esfíncter urinário artificial decorre de ato
cirúrgico coberto pelo plano, sendo conseqüência possível da cirurgia de
extirpação radical da próstata, diante de diagnóstico de câncer, a cláusula que
proíbe a cobertura é nitidamente ilegal.
Não
se trata, como alegam os convênios, de uma simples colocação de prótese.
Trata-se de material utilizado como meio para o próprio sucesso da cirurgia,
sem o qual esta se tornaria inócua. A colocação do esfíncter, nesse caso, é ato
intrínseco ao ato cirúrgico que se mostra indispensável ao tratamento do
paciente.
Ora,
se há cobertura contratual para a realização da prostatectomia radical, é
indispensável que também haja a cobertura decorrente de suas implicações, sob
pena de atenuar ou exonerar indevidamente a responsabilidade do fornecedor do
serviço (art. 51, I, do CDC).
Não
se pode admitir que os planos de saúde arquem com parte dos custos do
tratamento do paciente (cirurgia de prostatectomia), negando, posteriormente, o
pagamento do implante de esfíncter artificial, imprescindível ao total
restabelecimento de sua saúde e de sua dignidade.
Assim,
uma vez demonstrada que a implantação do esfíncter urinário artificial é a
melhor solução para o paciente, é possível buscar o Poder Judiciário para forçar
o Plano de Saúde a custear o tratamento, nos exatos termos definidos pelo
médico. Vale dizer, ainda, que a injusta negativa pelos Planos de Saúde também
pode gerar indenização por danos morais aos pacientes, ante a dor e
constrangimento por que passaram.
Aqueles
que se encontram nessa situação devem procurar um advogado especialista para
fazer valer os seus direitos.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA
Incontinência
é a perda involuntária de urina da bexiga em situações impróprias, devendo ser
objetivamente demonstrável. A incidência de incontinência urinária na mulher
aumenta com a idade, atingindo 25% após a menopausa.
A perda involuntária
de urina atua de forma devastadora na qualidade de vida da paciente e pode ser
adequadamente tratada.
Estima-se
que existam mais de 30 milhões de mulheres incontinentes só nos EUA.
Como se desenvolve?
A perda de
urina pode ocorrer de forma transitória, geralmente associada ao uso de
fármacos, a infecções (infecção urinária, vaginites), a constipação ou
problemas de deficiência hormonal, desaparecendo após o tratamento da causa
subjacente; ou pode ser persistente ou definitiva com instalação e piora
progressiva.
Muitas
mulheres tornam-se incontinentes após o parto, histerectomia (cirurgia para
retirada do útero) ou mesmo outros traumas na região pélvica.
Entre os
tipos mais comuns de perda de urina existe a incontinência urinária de esforço
ou estresse: a perda de urina ocorre quando há um aumento repentino da pressão
intra-abdominal como tossir, espirrar, rir, pular, correr ou realizar algum
esforço.
Como se
faz o diagnóstico?
O
diagnóstico é clínico, baseado em uma história detalhada. Devemos investigar o
inicio dos sintomas, descartando a presença de infecção urinária, cálculos,
tumores, doenças associadas como DM, neuropatias e uso de medicamentos. Durante
o exame físico pede-se para a paciente tossir, tentando reproduzir a perda
urinária. Também pode ser realizado um teste onde um cotonete é inserido na
uretra para determinar sua posição e mobilidade. Um exame de análise da urina
deve ser realizado. Um teste urodinâmico vai determinar se existem outras
alterações da bexiga e da uretra.
Como se
trata?
O
tratamento vai depender do tipo e das causas da incontinência urinária.
Inclui
medidas gerais identificando as possíveis causas da perda de urina, tais como:
Perder peso.
Parar de
fumar para diminuir a tosse crônica.
Tratar a
constipação
O alivio
dos sintomas pode ser conseguido:
Com alguns
medicamentos específicos.
Com a
fisioterapia de exercícios para o assoalho pélvico, chamados de Exercícios de
Kegel (pode melhorar até 75% dos sintomas).
Com o uso
de cones vaginais com pesos diferentes.
Técnicas atuais
incluem o uso de eletro-estimuladores.
Também
podem ser usadas técnicas que injetam colágeno ao redor da uretra e mesmo
cirurgias para corrigir o problema específico.
Como se
previne?
Para a
prevenção deve-se instituir a rotina dos Exercícios de Kegel, principalmente
após o parto vaginal e após cirurgias sobre a região pélvica.
Perguntas
que você pode fazer ao seu médico
Os
exercícios perineais são úteis no tratamento da incontinência urinária?
Existem
dispositivos que ocluem mecanicamente a uretra, controlando a perda urinária?
O
tratamento medicamentoso pode ser uma alternativa a cirurgia no manejo da perda
de urina?
A cirurgia
é eficaz no tratamento da incontinência urinária?
Existe
diferença de resultados entre as principais técnicas cirúrgicas?
TRATAMENTO CLÍNICO DA INCONTINÊNCIAURINÁRIA FEMININA
Os melhores resultados no tratamento da incontinência urinária feminina
são alcançados através dos procedimentos cirúrgicos. Entretanto há mulheres que
não aceitam a operação, outras desejam ter mais filhos e muitas vezes existem contraindicações
clínicas à cirurgia.
Várias opções de tratamento conservador podem ser utilizadas, como
veremos a seguir, e a escolha deve respeitar o correto diagnóstico da etiologia
da incontinência e a associação ou não de contrações não inibidas do detrusor.
Drogas Alfa-Agonistas
A uretra possui receptores alfa-adrenérgicos que quando estimulados por
medicamentos, aumentam o tônus da musculatura lisa periuretral. Três drogas são
clinicamente utilizadas: fenilpropanolamina, efedrina e imipramina. Os efeitos
colaterais desses agentes incluem aumento da pressão arterial, palpitações e
insônia. Devem ser evitados em pacientes hipertensos, cardiopatas ou com
hipertireoidismo. Os resultados são pouco satisfatórios para a incontinência
severa.
Estrógenos
Após a menopausa ocorre diminuição dos parâmetros do perfil pressórico
uretral. Essas alterações se devem à redução dos níveis de estrogênio. A
reposição hormonal provoca hipertrofia da mucosa uretral, melhora o fluxo dos
vasos da submucosa, aumenta a sensibilidade dos receptores adrenérgicos e o
desempenho da musculatura lisa.
A medicação pode ser administrada por via oral, intramuscular, aplicação
de creme vaginal ou adesivos cutâneos.
A associação de drogas alfa-agonistas ao tratamento hormonal parece
melhorar os resultados. Cerca de 70% das pacientes melhoram da incontinência
após doze semanas.
Exercícios para o assoalho pélvico
Na década de 40, Arnold Kegel introduziu os exercícios para
fortalecimento da musculatura pélvica. A paciente inicia o aprendizado durante
a micção, tentando interromper o jato sem mover as pernas. É orientada a
repetir a contração da musculatura periuretral da mesma maneira por dez vezes.
A cada semana o número de exercícios é acrescido até alcançar 30 a 45 minutos ao
dia. Melhora da incontinência pode ser observada após três meses. Os resultados
são comparáveis aos obtidos com a fenilpropanolamina.
Outra maneira de fortalecer o assoalho pélvico é o uso do cone
intra-vaginal. Para conseguir reter o cone a paciente tem que contrair a
musculatura pubococcígea sem aumentar a pressão abdominal. O peso dos cones
varia de 20 a 100 gramas. Deve-se manter o cone dentro da vagina por 15 minutos
e progressivamente utilizar cones mais pesados. Os resultados mostram melhora
subjetiva de 30 a 63%.
Os exercícios pélvicos exigem grande motivação da paciente para manter a
aderência ao tratamento
Biofeedback
É um método de aprendizado ou reeducação no qual a paciente poderá
visualizar ou ter percepção tátil de um acontecimento fisiológico inconsciente.
Ela deve aprender a contrair a musculatura pubococcígea ao redor dos dedos do
examinador durante o toque vaginal. A contração deve ser visualizada podendo-se
utilizar transdutores de pressão ou eletrodos que forneçam documentação gráfica
ou imagens onde a paciente possa observar o que ocorre e comprovar o seu
progresso.
A monitorização da pressão do detrusor auxilia no tratamento da
incontinência associada à instabilidade vesical. As limitações do método
incluem a motivação da paciente e sua capacidade intelectual para compreender o
funcionamento do tratamento.
Estimulação Elétrica
A estimulação elétrica do nervo Pudendo pode causar contração direta do
assoalho pélvico e através da medula espinhal gerar uma estimulação reflexa do
nervo Pélvico que resultará em relaxamento do detrusor.
Utilizam-se eletrodos na vagina ou no ânus conectados a um pequeno gerador
externo. As aplicações devem ser diárias com duração de 20 minutos. A principal
limitação é o desconforto da paciente. O método pode ser utilizado na
incontinência de esforço genuína ou na associação com hiperatividade do detrusor.
Os resultados são promissores embora o uso clínico ainda seja pequeno.
Controle da Instabilidade do Detrusor
A presença de contrações não inibidas pode gerar urgência miccional ou
mesmo incontinência urinária. Pode ser fator coadjuvante na incontinência de
esforço. A etiologia é pouco conhecida, logo, a resposta à medicação é pouco previsível.
Anticolinérgicos
Essas drogas procuram bloquear a contração do detrusor mediada pela
inervação parassimpática. As mais usadas são: propantelina, emeprônio e
oxibutinina. Essa última possui ação anestésica local e relaxante direta do músculo
liso. É a mais efetiva no tratamento das contrações não inibidas.
Outros grupos de medicamentos menos utilizados são: antidepressivos
tricíclicos (imipramina), bloqueadores de canal de cálcio (terodiline) e
relaxantes musculotrópicos (flavoxato).
Em resumo, o tratamento clínico da incontinência urinária feminina deve
ser indicado para as mulheres com alto risco para cirurgias. Os resultados mais
satisfatórios ocorrem quando os sintomas e defeitos anatômicos são leves ou
moderados.
Cirurgia para incontinência urinária
A cirurgia para a incontinência urinária feminina é feita
com a colocação de uma fita cirúrgica chamada TVT - Tension Free Vaginal Tape
ou TOV - Tape and Trans Obturator Tape, também chamada de Sling, que é colocada sob a uretra para apoiá-la,
dando um apoio extra ao períneo.
A
cirurgia é feita sob anestesia local ou epidural e tem 80% de chances de sucesso, sendo indicada para casos de incontinência urinária de
esforço que não tenham tido o resultado esperado após mais de seis meses
de tratamento com os exercícios de Kegel e fisioterapia.
No
caso da incontinência urinária masculina a cirurgia pode ser necessária à
colocação de um esfíncter artificial.
Cuidados
após a cirurgia da incontinência urinária
Após a cirurgia da incontinência urinária devem-se ter os
seguintes cuidados:
·
Evitar fazer esforços por no mínimo 15
dias. Não pode fazer exercícios, abaixar, pegar peso ou levantar-se
bruscamente;
·
Devem-se ingerir bastantes alimentos
ricos em fibras para evitar a prisão de ventre;
·
Evitar ficar resfriado, tossir ou
espirrar no 1º mês (evitando locais fechados com aglomeração);
·
Lavar a zona genital com água e
sabonete neutro sempre após urinar e evacuar;
·
Usar calcinhas de algodão;
·
Não usar absorvente interno;
·
Não ter relações íntimas por no mínimo
40 dias;
·
Não tomar banho de banheira, de piscina
ou de mar para evitar o contato com água contaminada.
Além disso, recomenda-se deixar de fumar, evitar o aumento
de peso e os exercícios físicos de grande impacto como o body pump e o box, por
exemplo, para evitar o reaparecimento da incontinência urinária.
A incontinência
urinária aos esforços (IUE) é definida por perda involuntária de urina pela
uretra secundária ao aumento da pressão abdominal. O colo vesical e a uretra
proximal são normalmente estruturas intra-abdominais e repousam sobre o
diafragma pélvico. Estas estruturas são posicionadas de determinada maneira que
as haja uma distribuição de forças equivalente para a bexiga e para a uretra durante
o aumento da pressão intra-abdominal.
O advento da interpretação urodinâmica da
IUE levou a considerarem-se dois mecanismos fisiopatológicos principais, na gênese
dos sintomas. No primeiro, considerado o mais comum, o colo vesical e a uretra
manteriam sua função esfincteriana e, para que ocorresse a perda urinária,
seria necessária a transmissão desigual durante o aumento da pressão abdominal,
consequente à perda do suporte natural da uretra e do colo vesical. Esta
situação é denominada hipermobilidade uretral, e, em termos práticos,
corresponderia a uma "hérnia" dos elementos do assoalho pélvico
responsáveis pelo suporte uretral. No segundo, a uretra perderia sua função
esfincteriana intrínseca, devido às alterações anátomo-funcionais seja na
mucosa ou submucosa uretral, no envoltório muscular liso do tecido espongioso uretral
ou no rabdoesfincter, disposto mais externamente e derivado dos músculos do assoalho
pélvico. Nessa situação, a perda urinária ocorreria aos mínimos esforços. As uretropexias
nestes casos têm um índice de falha de 15 a 20%. Por outro lado, as técnicas para
a restauração do suporte suburetral, como os slings têm índices de sucesso de
até 95%%. Outra teoria, apresentada mais recentemente por Petros e Ulmsten, considera
que a incontinência urinária não é inteiramente um processo passivo, sendo consequente
à insuficiência da ação dos músculos pubococcígeo, elevador do ânus e relaxamento
do ligamento pubouretral, permanecendo a uretra aberta ao esforço.
Além disso, outro fator responsável seria o
enfraquecimento da parede vaginal, responsável pelo suporte das terminações nervosas
um do colo vesical e pela transmissão das forças geradas pelos músculos do assoalho
pélvico.
A tendência atual é considerar que na etiopatologia
da IUE apresenta certo grau de deficiência esfincteriana intrínseca, o que direciona
o tratamento de todas essas mulheres para a cirurgia de sling.
Anatomia
cirúrgica do assoalho pélvico feminino.
O suporte anatômico da uretra, do colo vesical
e da parede posterior da bexiga deriva primariamente da fáscia do músculo
elevador do ânus, que se insere lateralmente no arco tendíneo do músculo
elevador do ânus ao nível do ramo ísquio-púbico. Esta fáscia apresenta uma face
voltada para a região retropúbica e outra voltada para a parede vaginal
anterior e seus feixes estendem-se medialmente envolvendo a uretra e o colo vesical
na forma de um "sanduíche".
No nível da uretra, condensações desta fáscia
originam os ligamentos uretropélvicos e os ligamentos pubouretrais, ambos com a
função de prevenir a hipermobilidade uretral, além de envolvidos com o
mecanismo esfincteriano intrínseco.
Os ligamentos pubouretrais sustentam a uretra
contra o ramo inferior da sínfise púbica, apresentando um espessamento que divide
a uretra em três regiões funcionalmente distintas. a região proximal, também
denominada de intra-abdominal, relaciona-se à continência passiva, secundária à
transmissão das variações da pressão abdominal, atuando conjuntamente com o
colo vesical. A região intermediária dois compreende o terço médio da uretra, responsável
pelo mecanismo esfincteriano ativo. A região distal ao ligamento pubouretral
tem apenas função sobre a condução urinária, sem envolvimento com o mecanismo
de continência.
Os ligamentos uretro-pélvicos correspondem a
espessamentos da fáscia do músculo elevador do ânus que se estendem paralelamente
à uretra deste o seu terço médio até o colo vesical nas posições correspondentes
as três e 9 horas, inserindo-se lateralmente no arco tendíneo do músculo elevador
do ânus. Têm a função de sustentar a uretra e o colo vesical além de promoverem
um aumento da resistência uretral. Durante um aumento da pressão abdominal,
como na tosse ou espirro, ocorre uma contração reflexa do músculo elevador do
ânus, aumentando a tensão ao nível dos ligamentos uretro-pélvicos que promovem
a suspensão e compressão da uretra.
Posteriormente, a fáscia do músculo elevador
do ânus estende-se sob a parede vesical posterior até a cérvix uterina, sendo denominada
de fáscia vésico-pélvica (ou fáscia pubocervical), responsável pelo suporte
destas estruturas bem como da parede vaginal anterior.
A fáscia vésico-pélvica está diretamente relacionada
ao aparecimento da cistocele, que se origina do adelgaçamento da região central
desta fáscia ou de defeitos ao nível da sua inserção no arco tendíneo do
músculo elevador do ânus, sendo comum a associação destas duas condições do
ponto de vista clínico.
Os ligamentos sacro-uterinos são estruturas
músculo-fasciais que se originam da parede póstero-superior da cérvix uterina inserindo-se
na parede lateral do sacro. Os três ligamentos cardinais correspondem à condensação
de feixes da fáscia do músculo elevador do ânus que se originam nas paredes
laterais da cérvix uterina, inserindo-se lateralmente ao nível do arco tendíneo
do músculo elevador do ânus. Estas estruturas em conjunto constituem o suporte
do útero e da cúpula vaginal, completando a sustentação do assoalho pélvico
feminino.
O conhecimento destes conceitos é fundamental
para a compreensão das alternativas utilizadas para o tratamento cirúrgico da
incontinência urinária.
Etiologia da insuficiência esfincteriana intrínseca
cirurgias prévias. A prevalência da insuficiência esfincteriana intrínseca
entre as pacientes submetidas a duas cirurgias para correção da incontinência
urinária é superior a 75 %%. Suturas aplicadas muito próximas da uretra podem
dificultar o fechamento uretral ou causar angulações uretrais. A exerese de divertículos
uretrais pode determinar alterações sobre a inervação uretral ou lesão esfincteriana
direta. Cirurgias com dissecção sacral extensa, como nas amputações abdominoperineais
do reto e histerectomia radical podem causar lesões dos plexos pélvicos determinando
insuficiência esfincteriana, atonia ou baixa complacência vesical, dependendo
do local exato e extensão da lesão. Desta forma, outros componentes podem estar
envolvidos na fisiopatologia da incontinência nestas situações, devendo ser
valorizados na avaliação pré-operatória.
TRATAMENTO
CIRÚRGICO ATUAL
1
Colposuspensão vesical Cirurgia de Burch
Em 1958, John C.Burch aperfeiçoou a técnica
de Marshall-Marchetti Krantz, suturando a fáscia paravaginal no ligamento de
Cooper ao invés do periósteo, evitando uma das complicações desta técnica que é
a osteíte púbica. O sucesso referido neste procedimento é na ordem de 85%. O
objetivo é manter o colo vesical em posição intra-abdominal, através de sua
suspensão. Visa, portanto, a correção da hipermobilidade do colo vesical.
2
Sling pubovaginal autólogo
Devido à importância atribuída no passado
ao colo vesical no mecanismo esfincteriano intrínseco, as técnicas desenvolvidas
inicialmente tinham a finalidade de promover compressão a este nível, através
da confecção de alças dispostas cirurgicamente no nível do colo vesical.
A cirurgia é realizada através de uma incisão
de Pfanenstiel com exposição da aponeurose do músculo reto abdominal, sendo
dissecada uma faixa de cerca de 8 cm de comprimento por 1,5 cm de largura.
Recomenda-se que a faixa seja suficientemente
longa para alcançar o espaço retropúbico e que dessa forma propicie a formação
de um apoio posterior, refazendo a anatomia normal. o enxerto é transposto para
a vagina através do espaço retropúbico com auxílio de uma agulha de suspensão endoscópica,
e a região central do enxerto é suturada ao nível do colo vesical, evitando-se qualquer
tensão local. A cirurgia é realizada sob controle cistoscópico, a fim de
permitir o diagnóstico de uma lesão vesical inadvertida.
A seguir, o sítio doador da aponeurose do músculo
reto abdominal é suturado com fio inabsorvível e a cirurgia é completada com as
suturas da pele e da parede vaginal.
No pós-operatório é avaliado o volume residual,
sendo o cateter retirado se o mesmo for inferior a 30 % do volume urinário
total.
No caso de volumes residuais superiores, a
5 paciente é mantida com o cateter uretral até o quinto pós-operatório quando
nova tentativa de retirada é realizada. Pacientes com retenção urinária
persistente são mantidas em programa de auto-cateterismo intermitente limpo.
3
Slings pubovaginais sintéticos
Uma das técnicas padrão para o tratamento
cirúrgico das portadoras de incontinência urinária de esforço é o sling pubovaginal
autólogo. Este preferência em relação aos materiais sintéticos se devia, em grande
parte, a duas preocupações principais:
infecção do implante e erosão uretral. No entanto,
o emprego de slings sintéticos permite a redução do tempo cirúrgico, evita a realização
de incisões abdominais extensas para a obtenção da faixa aponeurótica, determinando
menor tempo de hospitalização e reduzindo o desconforto pós operatório.
Vários materiais sintéticos e heterólogos foram
propostos para a confecção das alças pubovaginais sendo o polipropileno o mais aceito.
O TVT (tension-free vaginal tape) é aplicado
sem tensão, minimizando o problema de erosão uretral. A mudança do paradigma
não reside apenas na eliminação da tensão, mas também na colocação do sling no
terço médio da uretra e não no colo vesical, pois de acordo com a teoria
integral da continência, o ligamento pubouretral em conjunto com a musculatura
do assoalho pélvico faz da uretra média a região mais importante da continência
urinária feminina.
A técnica inclui a dissecção com tesoura de
Metzenbaum de um túnel submucoso vaginal pelo qual é inserida a faixa de
polipropileno conectada às agulhas especiais em suas extremidades,
substituindo-se a abertura convencional da fáscia endopélvica, por apenas duas punções,
o que reduziu a possibilidade da criação de defeitos laterais a este nível
(figura 4 e 5). Os índices de cura aproximam-se de 90% em seguimento que até
seis anos.
Os slings denominados de terceira geração
foram desenvolvidos visando permitir o ajuste pós-operatório caso a paciente
apresente retenção urinária persistente ou permaneça incontinente. Um desses
slings, denominado SAFYRE (sling auto fijable y regulable), é confeccionado por
uma faixa de polipropileno central de cinco cm, conectada a duas colunas de
silicone de grau médico de formato multicônico com a finalidade de se
autofixarem na região suprapúbica. Este formato permite, no pós-operatório
recente, ajustes da tensão empregada, sem a necessidade de um procedimento de
maior morbidade. Além do sling, o conjunto é constituído por uma agulha
desenvolvida para a inserção seja anterógrada (a partira da região suprapúbica),
retrógrada (através de punção vaginal) ou transobturatória dependendo da preferência
e do treinamento específico do cirurgião. Sua indicação é preferencialmente vantajosa
nas pacientes com obesidade, onde a exerese da aponeurose do músculo reto abdominal
é particularmente difícil; nas pacientes com falhas cirúrgicas prévias, e nos
casos de hipocontratilidade do músculo detrusor, devido a sua possibilidade de
ajuste caso ocorra retenção urinária prolongada.
INJEÇÕES
PERIURETRAIS
As injeções periuretrais têm por objetivo aumentar
a resistência uretral sendo indicadas no tratamento da insuficiência esfincteriana
intrínseca isolada. De forma geral, 7 os resultados com esta técnica na presença
de hipermobilidade uretral associada são ruins, o que implica em uma seleção
cuidadosa das pacientes.
Teflon. A injeção periuretral da pasta de politetrafluoretileno
(teflon) foi proposta para o tratamento da incontinência urinária de esforço em
1973. Embora não existam relatos a respeito de complicações do ponto de vista clínico,
estudos experimentais demonstraram a possibilidade de migração de partículas fagocitadas
deste polímero além do desenvolvimento de reação granulomatosa do tipo corpo
estranho no local de implantação o que limita seu usa na clínica.
Silicone. A utilização dos micro-implantes de
silicone, compostos de silicone vulcanizado não foi popularizado. Tecnicamente
trata-se de material menos susceptível à fagocitose e migração devido ao seu
maior diâmetro (100 a 300 µm), quando comparado ao teflon.
Colágeno. Este material é composto de colágeno
dérmico bovino altamente purificado, não pirogênico e tratado com glutaraldeido
imerso em solução salina fisiológica. No momento, a maior dificuldade para a popularização
do emprego do colágeno bovino é o seu alto custo, principalmente considerando-se
a necessidade de duas ou mais sessões de injeção para a obtenção de continência
duradoura.
Engenharia Tecidual. Em virtude do grande
desenvolvimento tecnológico, estão sendo estudados materiais que não provocam rejeição
pelo receptor. Estes materiais derivam das próprias células do indivíduo e são
manipulados de tal forma para que possam ser injetados na uretra. Estes materiais
provêm da cultura de condrócitos, miócitos e colágeno humano. No entanto, esta
tecnologia ainda não está disponível ainda para uso clínico.